sábado, 28 de abril de 2012

A república e o sonho português


É importante reflectir primeiramente sobre as diferenças entre monarquia e república.
A monarquia por definição é uma forma de governo em que uma única pessoa governa como chefe de estado, na maioria dos casos de maneira vitalícia. Existem vários tipos de monarquia, mas convém apenas referir a monarquia constitucional, aquela que esteve presente em Portugal desde 1820 até 1910. Na monarquia constitucional, um monarca já não têm um poder absoluto, o poder é limitado por uma constituição.
A república é por definição uma forma de governo em que o chefe de estado, vulgarmente o presidente, é escolhido pelo povo através de um voto secreto e periódico.
A partir destas definições pode-se ver uma diferença entre os períodos de mandato: a da monarquia é vitalícia enquanto a da república é periódica. Idealmente, a república parece ser mais justa, já que, teoricamente, coloca o poder de eleição nas mãos do povo.
A mudança em Portugal ocorreu de uma forma violenta pela mão do partido Republicano com a ajuda da Maçonaria, no inicio de Outubro de 1910. A monarquia estava fraca, e mesmo os que eram a favor dela não tiveram vontade de lutar contra a revolução.
A força do partido Republicano era a sua promessa de mudar as coisas. Mas, o anticlericalismo militante e a falta de programa social acabaram por destruir a própria república, que apenas durou dezasseis anos, sendo substituída por uma ditadura.
Deixemos agora os detalhes históricos e reflectindo na actualidade, pode-se ver que a segunda república é avaliada pelos olhos da sociedade como uma república mais responsável. O império português terminou, foi abandonado é provavelmente a expressão mais adequada. Portugal, que durante a ditadura pouco se pareceu importunar com os problemas europeus, fechando-se no seu mundo, de um momento para o outro parece acordar para se voltar para a Europa, talvez em busca do desenvolvimento tão desejado.
Não querendo ofender a opinião de ninguém e sob pena de ser parcial, penso que a República até agora foi apenas uma experiência que correu mal. Continua a haver classes, o Portugal sonhado não existe e o poder ainda não é do povo.
Os estratos sociais existem, e não parece que estejam diminuir o hiato entre eles, antes pelo contrário. Os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Todos os dias se fala na crise, e culpa-se o povo de querer viver acima das suas capacidades, e de se sobre endividar. Os apoios sociais, nomeadamente o rendimento de inserção social, parece apenas contribuir para a proliferação de um classe tida por muitos como parasita. Um novo olhar, sobre estes problemas é necessário. Aos olhos de muitos parece que da parte dos que tem o poder o interesse em mudar a situação fica muito além do necessário. Na minha opinião, limitam-se a tentar curar as consequências sem se preocupar com as causas.
O Portugal sonhado não existe. Portugal sempre teve muitos tidos como sonhadores pela maioria, mas que na verdade eram visionários. O país idealizado por eles não existe. Onde está o Quinto Império? O que aconteceu aos planos de globalização traçados pelo padre António Vieira? Não se trata do poder político, económico ou militar, trata-se de algo mais simples como a cultura e os valores. O espírito português é algo que está em vias de extinção, não é com meia dúzia de grupos folclóricos que esse espírito se preserva. Quando falo do espírito, falo dos valores, da língua, do sonho português de uma globalização diferente da imposta pelas nações dominantes. Somos diariamente invadidos pela cultura estrangeira, não que devamos fechar-nos e ignorar toda essa influência potencialmente produtiva, mas também não é correcto deixamo-nos levar completamente esquecendo a nossa própria identidade. A nossa língua está a cair no esquecimento, é ridículo a sobre utilização do inglês não nos importando com o lento sufocar do português. A indústria controla a cultura, e isso é a causa da maioria dos problemas, já que a industria não se preocupa com os valores culturais, mas, apenas com o lucro. A culpa, na minha opinião, é também do governo, que não se parece importar com espírito nacional nem tão pouco fazer algo de sério para regulamentar essa indústria da cultura. A globalização é uma realidade, mas está longe do sonhado por Portugal, sendo apenas um conceito económico e traçada pelos países e grupos económicos dominantes a seu belo prazer. Portugal, através dos seus órgãos de soberania, devia voltar-se mais para os países de língua oficial portuguesa. Nenhum povo se pode julgar superior culturalmente a outro povo, porque quando assim é porque não conhece a cultura do outro povo. Quantos livros de escritores Angolanos estão nas nossas livrarias? Quantos cds de músicos Moçambicanos estão nas nossas lojas? Neste ponto nem sequer é necessário que sejamos idealistas e propor apenas uma maior troca cultural, uma troca económica significativa pode e deve existir também.
O poder ainda não é do povo, dois partidos estão continuamente e alternadamente no poder. O povo limita-se a escolher entre duas pessoas escolhidas por esses partidos. Os outros partidos nem todos juntos têm expressão, a menos que se juntem a um desses. Por sua vez, os partidos são manipulados pelos interesses económicos e industriais. Este ciclo vicioso fez a maioria do povo cair numa apatia, e a prova disso é o nível de abstenção. Esse nível é talvez o indicador mais importante e preocupante, o povo sente que não pode fazer nada. É necessário encorajar o povo a participar mais activamente no governo, sem o desmotivar com sensação de impotência. É necessário que o comande realmente e exclusivamente os destinos da nação. Lutar contra os interesses económicos instituídos não é fácil, e só quando todos sem excepção decidirem pôr-lhe um fim é que é possível vencer esta guerra.
A república, tal como existe nos dias de hoje, não é ainda uma solução viável para Portugal. No entanto eu aceito esta república como um passo necessário, mas olhando para um futuro, que espero próximo em que a república se renove ou se transforme em algo melhor. Espero que todos possam olhar para trás e aprender com os erros, um erro seria tentar mudar as coisas pela força, outro seria perder o folgo da mudança e cair novamente na estagnação e apatia. A mudança não têm que ser violenta, nem sequer brusca, nem terá que substituir de uma vez as instituições existentes ou a sua maneira de agir, mas terá que existir e ser gradual.
O sonho português ainda se pode realizar, mas para tal é necessário uma mudança radical a começar pelo topo, para que o nosso governo possa finalmente ser aquilo que devia ser: um modelo para o povo e para os outros governos do mundo. Um modelo de um governo justo, credível e sério.


Este pequeno ensaio foi escrito para a revista Nova Águia e publicado no sexto número da mesma.
http://novaaguia.blogspot.de/
http://www.zefiro.pt/livro_novaaguia006.htm


Foi comentado em: http://movv.org/2011/03/29/pedro-cipriano-a-republica-ate-agora-foi-apenas-uma-experiencia-que-correu-mal/
http://movv.org/2011/02/04/pedro-cipriano-a-industria-controla-a-cultura/
http://movv.org/2010/11/28/pedro-cipriano-o-poder-ainda-nao-e-do-povo-dois-partidos-estao-continuadamente-e-alternadamente-no-poder-o-povo-limita-se-a-escolher-entre-duas-pessoas-escolhidas-por-esses-partidos/

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